Antes de Escrever os Diálogos

Antes de Escrever os Diálogos

 

Peças teatrais são os diálogos e rubricas. São “falas”: é uma história, na forma convencional ou não, contada através do discurso que nasce de um texto criado pelo Dramaturgo e se concretiza no Espetáculo teatral..

Antes de continuar a ler esse artigo saiba que ele fará mais sentido se já tiver lido ao menos “O Que é uma Peça Teatral” e “Como Começar a Escrever uma Peça de Teatro“.

Para começar elaborar os diálogos, você vai precisar de:

  • Criar uma estrutura,
  • Definir os personagens e
  • Os espaços: dramático e cênico (quando aplicável).

Criando a Estrutura

Em posse de um documento que chamamos aqui de Resumo (Aprenda como fazer seu resumo em  “Como Começo a Escrever uma Peça Teatral“), que  você pode chamar do que quiser, desde que seja a sua história contada do começo ao fim de forma resumida, você poderá iniciar a estrutura da sua peça.

A estrutura, como o nome diz, é a parte mais fundamental de qualquer construção e ela não permite mudanças. Você explode uma prédio e o constrói  novamente. Assim é possível.

Sarcasmos à parte, posso dizer com toda a segurança que os diálogos você até pode mudar ao longo da redação de sua peça e até a cada apresentação do espetáculo, se assim desejar, mas nunca poderá mudar a estrutura sem causar uma grande confusão. Por isso, crie uma estrutura que te deixe bem contente, pois criará tudo em cima dela.

O que é a  Estrutura da Sua Peça

Pode chamar de roteiro, invocando os infames passo-a-passo tão queridos pelos manuais e doutrinadores, eu mesmo me referi diversas vezes como sendo roteiro, mas ainda assim será sempre uma estrutura, e ela pode ser tão inusitada, distorcida e fragmentada quanto for sua criação. Mas como este artigo tem função didática para leigos na redação de textos dramáticos, vou explicar com bases bem simples e convencionais. Depois você terá chances de ser arrojado e de quebrar paradigmas.

Se não leu, leia diversas vezes o seu resumo da peça. Se não tem, escreva um.

Saiba tão bem o que quer contar que poderá faze-lo de traz-pra-frente ou embaralhando as partes, e ainda assim não se confundirá. Somente assim poderá redigir a estrutura para o seu texto dramático com possibilidades de se tornar um impactante espetáculo teatral.

Se você é leigo na redação de textos e também nas artes cênicas, deverá ler “O Que é Teatro” e “O Que é um Espetáculo Teatral“, caso contrário essa artigo não lhe servirá muito.

Se você já se apropriou totalmente  da história e pode vê-la por inteiro em sua mente até de ponta-cabeça, decida como quer contar essa história.

Vou sugerir aqui a forma que utilizo para escrever minhas peças.

Mas antes, para lhe dar tranquilidade quanto  seguir ou não as minhas sugestões, lembro ou informo  que meus textos foram premiados pelo Ministério da Cultura, com o Prêmio Myrian Muniz de Teatro por cinco vezes. As cinco  vezes que os inscrevi. Esse  prêmio é raramente conferido a trabalhos autorais, sendo  conhecido por premiar montagens de dramaturgos renomados: Nelson Rodrigues (o campeão de montagens), Plínio Marcos, Ariano Suassuna, uma infinidade de “cordéis”, além de gênios como Shakespeare, Ibsen,  Máximo Gorki, Tchekov e Tennessee Williams.  Longe de me comparar a qualquer um desses dramaturgos, cito essas premiações como uma forma de incentivar você, dramaturgo principiante ou não, pois se eu, um cidadão comum, venho pagando meus gastos através de textos teatrais por mais de duas décadas, porque não poderia você ?

Eu determino o tempo (duração)

Assim como qualquer roteiro, se você não sabe quanto tempo terá, como poderá fazer a programação?

Número de páginas como medida de tempo é um engodo. Você pode ter uma página que descreva uma cena que dure segundos e uma página que contenha texto para uma hora de espetáculo. Fuja disso. Só você sabe ao certo o tempo que precisará.

Como modelo vamos pensar numa história curta, de dez minutos.

Lembrando que estamos falando de uma forma convencional  de contar uma história – Teatro Dramático –  eu divido o tempo em quatro partes. Isso pode variar muito, não é regra, é um exemplo.

A história toda é 100%.

  1.  Parte  com 15% : Apresento os personagens e o contexto da história.
  2. Parte com 25%:  Apresento um problema ou vontade do protagonista que não pode ser realizada e o porque não pode.
  3. Parte com 35%: Desenvolvo o conflito, os apuros , as aventuras, as crises, atrapalhadas e tudo o que posso manipular com os elementos apresentados anteriormente.
  4. Parte com 15 %:  Levo o conflito ao máximo da tensão. Ou se resolve ou se destrói.
  5. Parte com 10%: Resolvo rapidamente ou destruo e mando a plateia ir pra casa.

Como no artigo “”Como Começar a Escrever uma Peça de Teatro” eu apresentei o resumo da ideia de “Pânico no Elevador”, vou descrever aqui como criei a estrutura para a peça, dividido em 5 momentos, como descritos acima.

I – 15%

Dona Emereciana está com o filho na porta do elevador. Ela é uma mulher simples, bem humorada e nitidamente do interior. O filho tem grave retardamento mental, mas não quero polemizar nem ridicularizar a deficiência, pois todos os personagens serão ridicularizados.  O elevador chega, porta se abre e revela em seu interior uma mulher elegante e fria. Dona Emereciana pergunta se o elevador vai subir, mesmo sendo ignorada e sem resposta entra sorridente e falante.

Estando os três no elevador em movimento, Dona Emereciana fala, fala e se diverte com as próprias historias, irritando a executiva.  O filho, entre surtos de riso e rompantes de agressividade,  se mostra interessado na executiva,  deixando-a ainda mais desconfortável.

O elevador para e entra um tarado exibicionista. Somente a executiva e, de certa forma , o menino notam a peculiaridade do homem que se mostra bem excitado pela executiva.

II – 25%

O homem abre sua capa, se expondo para a executiva. Essa grita e pula, esbarrando no menino que se assusta, grita e pula. Isso tudo faz dona Emereciana achar que a mulher está tendo um surto qualquer. O que ela chama de “crostofobia”, querendo dizer claustrofobia.

A executiva quer fugir, e começa a apertar os botões desesperada. O Tarado quer agarra-la. O Menino quer seja lá o que o tarado está querendo e dona Emereciana quer ajudar a moça “doente”.

III -35%

Mas os solavancos e apertos de botões exagerados fazem o elevador travar e disparar o alarme.

Tudo isso potencializa a crise. Executiva se desespera, menino se descontrola totalmente, tarado entra em êxtase e Dona Emereciana entra em Pânico.

IV – 15%

Dona Emereciana pede, como medida extrema, que o filho e o “bom homem” amarrem a pobre mulher que está se machucando toda; ela deduz que se trata de “pilepicia”.. e prende sua língua  pra que não se engasgue, enquanto esta se debate histericamente sendo abusada pelo tarado e pelo menino.

V – 10%

O elevador se abre e dona Emereciana vai buscar ajuda obrigando o filho e o homem a ficarem “cuidando” da executiva que tenta gritar por socorro.

Definindo o(s) Personagens

Marco Nanini em Ubu Rei

Tem dramaturgo que prefere não descrever seus personagens, preferindo deixar que o diretor e o ator façam suas conclusões.

Eu, particularmente, gosto de dar a maior gama de informações possíveis aos encenadores. Sendo eu diretor e ator, sei quanto tempo com debates e polêmicas sobre o que se supõe que o autor quis dizer, ma não disse se perde numa montagem de texto cheio de segredos.

Ao definir seus personagens, você poderá ou não, estar ao mesmo tempo definindo o tempo e lugar da sua história.

Quando se define tudo ao mesmo tempo?  Quando o tempo e o lugar dos personagens são partes da estrutura da peça. No exemplo de “Pânico no Elevador”, está claro, já no título, a contemporaneidade, e na estrutura vemos como as diferenças sociais e interação entre os personagens se ligam ao local.

Quando podem não se definir ao mesmo tempo? Quando o tempo e o lugar não são partes da estrutura. Na peça “O Salto”, que escrevi em 1999 (teve montagens em 2000, 2003, 2006 e foi premiado pela Funarte para circular o Sul do Brasil em 2013) a estrutura conta a história de seres humanos presos em labirintos criados por eles mesmos. Em qualquer tempo ou lugar.

Se você tiver interesse pelo texto “O Salto” ele faz parte do livro: “O Psicanalítico do Teatro – duas peças comentadas“. Atenção! clicando no link acima você será direcionado. Se preferir poderá ler parte do livro, sem precisar comprar, pagar ou preencher formulários clicando em “Ler Agora” na imagem abaixo.

 

Fale tudo o que achar relevante sobre o personagem. Depois você poderá decidir o que ficará no texto finalizado. No momento você não está pensando nos encenadores e sim nas bases da redação do seu texto. Você verá que a habilidade de investigar a natureza humana sem julgamento, sem passar por suas convicções pessoais produz textos inteligentes e interessantes; o contrário também é verdade.

Exemplo de Definição do personagem:

Dona Emereciana

Viúva de 50 anos. Nasceu e permaneceu no campo. Sendo muito querida pelas pessoas de sua cidade, não se inibi em comunicar-se com as pessoas da cidade grande. Com um certo grau de ingenuidade, desconsidera os preconceitos e diferenças das classes, tratando todos com a mesma intimidade, peculiar da cidade do campo onde sempre viveu.

Seu modo de se vestir, na cena, reflete sua visão de sofisticado. No entanto, para os rígidos padrões  da metrópole, cuja roupa do executivo, burocrata, escriturário, etc, não são ditados pelo gosto pessoal, mas por uma instruiria, ela está mal vestida.

Seu discurso e reflexões não são particularmente profundos. Sem estudo e limitada a um convívio com pessoas igualmente simples, tem um repertório de casos e lembranças, relatados de forma superficial e, aqui na peça, tratados com humor.

Espaço Dramático

É onde a história se passa.

No exemplo: Hall de um grande prédio de escritórios na Avenida Paulista e Interior do Elevador.

Espaço Cênico

Onde, se puder prever ou se houver limitações, essa peça poderá ser montada.

Palco, tablado, arena, sala de aula, rua, residência, ginásio, metrô, prédio abandonado… etc.

Como o espaço cênico será ocupado é quase sempre uma missão do encenador e não do dramaturgo, mas o texto pode conter informações que especificam ou sugerem essa ocupação.

No exemplo que estamos usando: “Pânico no elevador”, a rubrica sobre o espaço é  assim:

Centro do palco. Plateia está de frente para a porta do elevador, está no Hall de espera. O espaço do elevador pode ser limitado pela expressão corporal dos atores ou luz. Evite criar as paredes ou  a porta do elevador. Use efeitos sonoros“.

Para saber mais sobre o que se leva ao palco, leia “O Presencial no Espetáculo Teatral

Pronto!

Já pode começar a elaborar os diálogos.

 

Aprenda mais sobre esse tema. Visite a Biblioteca do Teatro