O Teatro Pós-Dramático

Tudo sobre Psicanálise

O Teatro Pós-Dramático

A Autonomia da Cena

A grande confusão que se gera em torno do teatro pós-dramático, proposta trazida pelo alemão Hans-Thies Lehmann em 1999, é a de que ela poderia se referir a um teatro que não “quer” um texto, no entanto não é isso. Ele não admite o “textocentrismo”.
 
Já li calhamaços de artigos onde o debate e a teorização dessa ideia de Lehmann leva a leitor ao tédio e exaustão.
 
Se você não for um teórico do teatro e quer aprender a colocar na prática propostas como a de Lehmann  em suas criações, esse artigo pode lhe agradar, contudo deve em seguida ler o material bibliográfico sugerido na página Biblioteca.
 

Lehemann, Boal e Grotowiski

 
Lehmann formulou e postulou algo que já vinha acontecendo, de um jeito ou de outro.
 
O brasileiro Augusto Boal (que foi torturado e exilado pela ditadura brasileira em 1971) com seu Teatro do Oprimido, já esbarrava nesses conceitos ao apresentar um teatro  social e político e onde a plateia era também autor e os que realizam o espetáculo  eram  também plateia.
 
O Polonês Jerzy Grotowiski, também se opunha à qualquer artificialidade ou mimética  na cena. Qualquer elemento que pudesse impedir encenadores e plateia de vivenciarem um momento único, profundo e real deveria ser retirado. A isso ele chamou de “Teatro Santo” ou “Teatro Pobre” (há divergências quanto a tradução).
 
 
Além desses, o gênero vinha sendo desenvolvido por Samuel Becket nos anos 1970 e 1980
 
O que estes têm em comum com Leheman é a importância dada aos fatores ““pessoa, espaço e tempo”, acima de tudo por se oporem ao teatro como uma arte burguesa cuja forma estaria mais em função da classe social do grupo e seu “drama” do que  à existência das pessoas que as compunham.
 
No artigo “O Que é Teatro” e “O Que é Espetáculo Teatral” falo um pouco sobre o teatro a serviço do entretenimento. Há relações com essa distração sobre a qual fala Lehmann, em detrimento de um teatro que coloca a plateia em estado de total percepção do tempo presente e como parte do acontecimento teatral.
 
Dessa maneira, o texto dramático na sua forma mais convencional, a que limita a cena e a vida dos personagens à uma narrativa que pode ser apenas observada, não serve mais, pois limita  a experiência da plateia e dos que realizam o espetáculo à uma  criação passada, não mais presente, por isso  sem importância para o acontecimento teatral que é sempre presente.
 
Lehmann não abole o texto, outrossim abole esse formato de texto que, segundo ele mesmo, está mais a serviço do cinema do que ao teatro; o que se conclui é que , partindo dessas reflexão, não se deve minimizar a importância do encontro plateia e atores (ou quem mais realiza a cena) apresentando um teatro de histórias que ignora esse encontro.
 
“teatro significa tempo de vida em comum que atores e espectadores passam juntos no ar que respiram juntos daquele espaço em que a peça teatral e os espectador esse encontram frente a frente”.
(LEHMANN, 2007, p. 18).
 
 

PERFORMANCE

 
Se você sabe o que é Performance  como linguagem artística, pode estar pensando que há semelhanças. Se não sabe, seria bem legal se você lesse um pouco sobre isso.
 
De fato há semelhanças. Um teatro que atualiza a cena e tudo que nela há, incluindo texto, para um momento unicamente presente e que tem a plateia, com sua “atuação” espontânea como centro da motivação criativa é parte da premissa do que viria a ser Performance (mas vale lembrar que Performance também pode ser tudo aquilo que quem o faz diz ser). De qualquer maneira, a Performance se incumbe do real. Será sempre a vida real. A teatro Pós-Dramático não abre mão da representação. Representa-se outras vidas, sim; mas essas representações partem de uma forma criativa que permite uma atualização com a plateia, ficando na fronteira com os conceitos de Work in Progress.
 
Pode parecer absurdo, puramente terapêutico ou só experimentos sem espetacularidade, sem valor artístico, mas não é assim. Atores e encenadores muito comprometidos e altamente qualificados vêm criando espetáculos fenomenais.
 
UM EXEMPLO
 
Quando criei “Providências” eu tinha uma vontade, um ideia que queria expressar no palco. Lembre que sem isso não adianta ficar formulando cenas, nem na forma convencional nem no Pós-Dramático.
 
Eu queria expressar e possibilitar a vivência da pressão do viver social sobre o sujeito.
 
Antes de começar a elaborar o texto eu sabia o que queria que a plateia e atores vivenciassem. Para isso eu criei uma estrutura para meu uso:
 

DESCRIÇÃO DA IDEIA

 
Antes de entrar na sala a plateia será convidada a gravar um áudio respondendo a pergunta: “O que você precisa fazer?”. Esse áudio tanto poderá ser usado como efeito na cena, ou  apenas para uso dos atores (ponto) que incorporarão esses áudios em forma de texto durante a cena.
 
A cena iniciará com o texto base. O texto do dramaturgo (que escreverei) e será incrementada com os áudios que, espero, sejam reconhecidos por seus autores que estão na plateia. Os atores deverão perceber suas reações.
 
A improvisação intuitiva coordenará o momento de transferência do tormento dos atores com as infinitas providências que precisam tomar para uma provocação à plateia com as providências que cada um que a compõe precisa tomar (ou assim disseram). Deverão tentar relacionar os áudios com seus autores. Esse processo de busca pelos autores das frases deve despertar na plateia uma expectativa e desconforto; sua aparência estará sendo analisada (não mais o a do ator), seu texto terá suscitado uma revelação em forma de confissão que agora se volta em sua direção.
 

O Texto base de abertura:

 
Providências
William Fernandes – 2012 – todos os direitos reservados
 
(Ator ou atores, desenvolvem a cena segundo a orientação do encenador. Deve se formar à partir de uma criação metafísica onde o sensorial do ator (ou atores) nutre seus movimentos. Pode-se, por outro lado, determinar funções construtivistas como: montar o palco, organizar caixas, limpar, sujar…)
 

É preciso aprender / é preciso provar que aprendeu

É preciso trabalhar / é preciso fazer dinheiro com o trabalho

É preciso viver um grande amor / é preciso que o grande amor te ame

É preciso continuar amando o grande amor

É preciso pagar as contas

É preciso comprar

É preciso fazer contas pra pagar

É preciso trabalhar

É preciso dinheiro do trabalho

É preciso saber para o trabalho

É preciso estudar pra saber

É preciso viver

É preciso comprar

Contas pra pagar

Mas é preciso lazer, viver, amar…

Mas também é preciso criar, e a criação de outros apreciar

Arte a contemplar, para nova criação inspirar

e contas pra pagar

E o grande amor   encontrar

E é preciso aprender

e uma causa para defender

É preciso se indignar

E é preciso se resignar  para não se irritar, mas é preciso se indignar

É preciso se organizar

Priorizar

E então é preciso se manifestar

E depois se responsabilizar pela manifestação

É preciso uma causa ter

Mas daí é preciso saber

É preciso ler e provar que leu

É preciso entender e provar que entendeu

Debater

Provar que debateu antes de se defender

Se envolver, se comprometer e lutar. É preciso paz.

E trabalhar, pois tem contas pra pagar

coisas pra aprender / pra provar que aprendeu/ pra lutar e defender e é preciso paz.

É preciso transar. Fingir que não transou.

É preciso transar. Fingir que transou.

Amar e debater o amor.

E depois ainda encontrar tempo pra saber PRA QUE?

(Volta ao inicio substituindo os verbos pelas respostas da plateia)

 
 

Aprenda mais sobre esse tema. Visite a Biblioteca do Teatro